O Centro de Convivência Renascer de Marataízes se tornou um espaço de resistência e valorização da identidade cultural, sendo cenário do I Encontro de Escritores da Diversidade Negra e da apresentação teatral das Lendas de Marataízes. O evento reuniu escritores, ativistas, acadêmicos e representantes da cultura popular para uma manhã de reflexão, arte e fortalecimento da representatividade negra na literatura e no cenário cultural capixaba.

A abertura foi marcada por um momento de espiritualidade e conexão, conduzido pelo diretor Josivan Brandão Mothé, sua equipe e os idosos atendidos pelo centro. As orações e cantos religiosos trouxeram emoção ao público, ressaltando a ancestralidade e a fé como elementos fundamentais da cultura negra. O Grupo da melhor idade apresentou uma dança contemporânea sob a coordenação da professora de Zumba, a servidora Andréia. Essa abertura é a programação do Centro de Convivência com o tema ‘ as quatro estações’, que se estende durante todo o ano. Em seguida, os participantes foram recepcionados com um café da manhã ao ar livre, onde o canto dos pássaros e a sombra dos arbustos criaram um ambiente acolhedor para o início das atividades.
Preconceito Estrutural e a Luta das Escritoras Negras
A roda de conversa, mediada pela escritora Bárbara Pérez, trouxe à tona debates fundamentais sobre o racismo estrutural que ainda permeia a literatura brasileira e os desafios enfrentados pelas escritoras negras para conquistar reconhecimento e espaço no meio editorial. O silenciamento histórico dessas vozes foi discutido sob diversas perspectivas, desde a falta de representatividade nos cânones literários até a dificuldade de publicação e difusão de suas obras, além de fortalecer a proposta de ‘desconstruir’ o preconceito estrutural, que ainda, permeia o seio familiar e a sociedade.
Entre as participantes, destacaram-se nomes importantes no ativismo cultural e na educação: Adileusa dos Santos Silva Lemos, professora da Escola Coronel Gomes de Oliveira da cidade de Anchieta; Ivilisi Soares de Azevedo, psicóloga, presidente estadual da loja maçônica feminina, ativista cultural e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Marataízes e Itapemirim; Alessandra de Barros, produtora cultural, escritora e jongueira; Eliete Lopes de Oliveira, pedagoga aposentada, artesã e jongueira; e Aline Nascimento da Hora, ativista cultural, incentivadora das tradições culturais e servidora da Prefeitura de Anchieta. O evento também contou com a presença do diretor de cultura de Marataízes, Silas Lima, representando a Secretária de Cultura e Patrimônio Histórico, Maristela Leonardo.

Os relatos compartilhados pelas participantes evidenciaram como o racismo estrutural moldou o acesso à literatura ao longo dos séculos. A ausência de narrativas negras nos currículos escolares e a desvalorização das produções literárias afro-brasileiras foram apontadas como barreiras ainda a serem superadas. A roda de conversa também celebrou a potência das escritoras negras que, apesar dos desafios, ressignificam a literatura com suas vivências, ancestralidade e resistência.
Ao final da roda de conversa, foram entregues certificados de Honra ao Mérito às participantes, com destaque para a homenagem à professora Márcia Maria Silva Peixoto, mestra em Letras e doutoranda em Educação pela UFES, cujo trabalho acadêmico tem contribuído para a valorização da cultura negra no Brasil.
Teatro e Cultura Popular: A Mulher de Branco – Um Retrato da Violência e do Silêncio
O evento seguiu com a apresentação da peça teatral “A Mulher de Branco”, baseada no conto literário da escritora Bárbara Pérez. Com direção e adaptação do ator Carlos Ola, do Grupo Gota, Pó e Poeira de Guaçuí, a encenação trouxe ao público um dos relatos mais impactantes do imaginário popular de Marataízes.
Muito mais que uma simples lenda urbana, A Mulher de Branco carrega um grito sufocado por séculos de opressão. A história revela a trajetória de uma jovem que viveu na Colônia de Pescadores, o Pontal, onde sofria abusos constantes do próprio pai, um pescador que, embriagado, a espancava e violentava em seu pequeno quartinho. Condenada ao silêncio sobreviveu ao sofrimento até o dia em que se casou.
Na noite de núpcias, ao confiar ao marido os horrores que vivera na infância, a jovem foi cruelmente rejeitada. O homem, incapaz de acolhê-la, abandonou-a brutalmente, jogando-a no meio da estrada. Sozinha e desamparada, vestida de noiva, com sapatos brancos e um buque vermelho, caminhou pela pista molhada pela chuva, até que um motorista embriagado a atropelou fatalmente. O homem, preso momentaneamente, pagou fiança e foi solto, deixando impune mais um crime contra uma mulher que já havia sofrido demais.
Desde então, dizem que em noites escuras e chuvosas, uma figura feminina vestida de noiva surge nas estradas da rodovia do sol de Marataízes, que liga o Pontal à Itaoca. Alguns afirmam vê-la acenando, pedindo ajuda, antes de desaparecer na mata nativa. Outros acreditam que sua alma busca justiça para todas as mulheres silenciadas pela violência. Assim, a lenda da Mulher de Branco tornou-se um símbolo do luto, da dor e do esquecimento social, um lembrete sombrio da impunidade que ainda assombra tantas vítimas.
A interpretação visceral dos atores trouxe à tona a profundidade emocional da história, arrancando aplausos e reflexões do público, que se viu diante de uma narrativa que ultrapassa o folclore e escancara uma realidade cruelmente presente em nossa sociedade. Flesh martins
Cultura e Celebração
Após momentos de reflexão e arte, a confraternização foi marcada por um delicioso almoço ao som do cantor Flesh Martins, que embalou a todos com seu repertório musical. Os idosos atendidos pelo Centro de Convivência aproveitaram o momento para dançar e celebrar, fortalecendo laços e reafirmando a importância da cultura como elemento de inclusão e bem-estar social.
A realização do I Encontro de Escritores da Diversidade Negra reafirma a importância de espaços que promovam a reflexão sobre o racismo estrutural e fortaleçam a presença das escritoras negras no cenário literário. Que esta seja apenas a primeira de muitas edições, consolidando Marataízes como um pólo de resistência e celebração da diversidade cultural. E, que as narrativas da peça teatral “A Mulher de Branco” tragam uma reflexão mais aprofundada sobre a violência das mulheres de todas as cores e etnias.
Agradecimentos
O evento contou com o apoio da Secretaria de Assistência Social, Habitação e Trabalho, representada pelo secretário Eduardo Bitencourt e sua esposa Emella, além da dedicação do diretor do Centro de Convivência Josivan Brandão Mothé e sua equipe. E, ao Presidente interino da Academia Marataizense de Letras Dr. Sérgio Dário Machado. A presença e participação ativa do grupo da melhor idade foram fundamentais para tornar este encontro um marco na valorização da literatura negra e da cultura regional.
Os projetos apresentados foram contemplados pelo Programa de Co – investimento da Lei Fundo a Fundo do ciclo/2023, através da Prefeitura Municipal e Secretaria de Cultura e Patrimônio Histórico de Marataízes, com a intervenção da Secult/ES. Uma produção e realização da escritora Bárbara Pérez.
