






















Domingo (9), logo cedo os fiéis se encontraram na Matriz Nossa Senhora da Penha, no centro de Marataízes, para participar da Missa Solene da Festa das Canoas, que este ano completou 115 anos de história, fé e devoção. Presidida pelo padre Marcos Antônio e concelebrada pelo Frei Luiz Fernando, a missa marca o momento religioso dessa festa centenária, que une gerações no litoral sul capixaba.
Logo após a missa, os fieis seguem em procissão com o estandarte do Divino Espírito Santo e a imagem de Nossa Senhora da Penha, até o barco “Rodrigues II” do pescador Nando, que há 10 anos, como ele mesmo disse, tem a honra em levar os ícones da festa acompanhado do Padre, coroinhas e leigos, puxando a procissão que segue pelo mar azul vibrante de Marataízes.
Como divulgado anteriormente, o Bispo Dom Luiz Fernando celebraria a missa deste dia, porém teve um imprevisto e não conseguiu participar este ano da festa.
A Festa das Canoas: Tradição e Fé. A identidade de Marataízes
A fé é um fenômeno complexo e de difícil explicação, assim como as origens da centenária Festa das Canoas, cercada por diversas narrativas que, embora distintas, compartilham uma mesma essência: a crença de que tudo pode melhorar. Não se sabe ao certo quem foram os primeiros pescadores nem quais motivações os levaram a celebrar o Divino Espírito Santo. Algumas versões atribuem a origem da festa a milagres, como a promessa feita por pescadores em meio a uma temporada de pesca ruim, comprometendo-se a realizar uma procissão marítima anual caso a situação melhorasse. Outras histórias mencionam a cura da filha de um pescador, que teria motivado a criação da celebração, enquanto há relatos que associam a festa à sobrevivência de tripulantes após um naufrágio, os quais teriam prometido instituir o evento como forma de agradecimento.
Independentemente da versão, há 115 anos surgiu a mais tradicional festividade de Marataízes, intimamente ligada à história da cidade. Um grupo de pescadores e suas famílias decidiram reunir-se para celebrar o Divino Espírito Santo, realizando a festa anualmente após o término da temporada de verão.
No início do século XX, o turismo começou a ganhar impulso mundial. No Espírito Santo não foi diferente, famílias do interior da região sul do estado, ao viajarem durante o verão, encantavam-se com as praias do litoral de Marataízes. Acreditavam que o contato com aquele ambiente belo e bucólico traria benefícios para a saúde, a alma e a vida como um todo. A Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo (EFSES), concluída na década de 1920, facilitou o acesso de visitantes, especialmente de Cachoeiro de Itapemirim, que se maravilhavam com as paisagens litorâneas.
Além dos tradicionais visitantes de Cachoeiro de Itapemirim, Marataízes também passou a atrair mineiros, provavelmente em razão da antiga estrada que ligava Itapemirim a Mariana. Esses turistas adquiriam peixes frescos ou salgados dos moradores locais, que utilizavam canoas e o famoso arrasto para a pesca. As áreas próximas à atual praia central começaram a ser ocupadas por casas de veraneio, construídas por famílias que buscavam o litoral durante a temporada de verão. Enquanto os homens se dedicavam à pesca, as mulheres trabalhavam como empregadas domésticas, cozinheiras, faxineiras ou babás. Os meses de dezembro, janeiro e fevereiro, período de alta temporada, sempre representaram e ainda representam uma fonte de renda essencial para os moradores de Marataízes.
Mas, caro leitor, você já se perguntou por que a Festa das Canoas ocorre em março? O que realmente motivou a criação desse momento tão belo e repleto de inspiração espiritual? Sabe-se que, tradicionalmente, a segunda semana desse mês é dedicada à celebração do Divino Espírito Santo, uma festividade profundamente enraizada na cultura católica. No início do século XX, com o surgimento do turismo, os pescadores passaram a obter renda extra durante o verão, trabalhando intensamente para atender aos visitantes que animavam as praias. Após meses de esforço na pesca e no serviço aos turistas, março representava um período de tranquilidade, um momento para descansar, mergulhar nas águas serenas de Marataízes, as “águas de março”, retornar à missa e expressar gratidão. Curiosamente, ou talvez não por mera coincidência quando se trata das coisas divinas, esse é justamente o mês dedicado ao Divino Espírito Santo, Divino que batiza nosso estado e simboliza o momento ideal para celebrar e agradecer pelas bênçãos recebidas.
A comunidade se reunia para celebrar e se divertir, em um momento de encontro e convívio entre todos. O som do tambor anunciava a chegada do Divino, e as moças ficavam olhando nas janelas, aguardando a passagem da bela procissão. A festa também era uma oportunidade de arrecadar recursos para a manutenção da igreja, com a participação de todos. Doações como prendas, alimentos e até mesmo animais, como galinhas e porcos, eram oferecidos como prêmios em bingos e leilões, que mobilizavam toda a sociedade marataízense. Além disso, após as missas, grandes rodas de jongo se formavam, onde os moradores se desafiavam com rimas, proporcionando diversão e entretenimento para inúmeras famílias da região.
O domingo era o dia mais aguardado da festa. Pela manhã, uma banda de fanfarra percorria as ruas da cidade, anunciando que a missa logo iria começar. Após a celebração religiosa, acontecia o ponto alto do evento: a procissão marítima. Nela, os participantes, acompanhados pelo Divino e pela fanfarra, embarcavam em barcos, todos decorados com bandeirinhas coloridas, confeccionadas por moradores de diversas religiões, não apenas católicos. Juntos, celebravam e expressavam gratidão a Deus, em um momento de devoção.
A Festa das Canoas cresceu paralelamente ao desenvolvimento das praias, evoluindo década após década. Cada avanço na vida dos pescadores refletia-se na organização e no aprimoramento da celebração. Mais do que uma manifestação católica, o evento integra-se profundamente à história da cidade, uma festa que une fé, cultura e memória, representando um marco na identidade local e na tradição maratimba.
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Texto escrito pelos irmãos Laryssa e Lucas Machado. Ambos são Historiadores e professores de História, ela na Rede Municipal de Marataízes, ele na Sedu. São alunos do curso de Doutorado em História da Ufes e membros do Instituto Histórico e Geográfico de Itapemirim e Marataízes. Laryssa faz parte do Laboratório História, Poder e Linguagens (LHPL) e Lucas, do Laboratório de História Regional do Espírito Santo e Conexões Atlânticas (LACES), ambos da Ufes.
Esse texto foi produzido com base nos depoimentos coletados pelos dois historiadores durante a produção do documentário “A Gloriosa Festa das Canoas”, lançado em 2024 com recursos da Secult de Marataízes.
Link para o Documentário:

 
									 
					